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Gestalt e Arte

Falar sobre Gestalt-terapia e Arte é, de certo modo, recuperar a trajetória que me levou a escolher a abordagem gestáltica como referência em meu trabalho como psicóloga. A aproximação entre a Arte e a Gestalt-terapia se apresentava a mim de uma maneira quase intuitiva, como se a experiência em uma ancorasse minha compreensão da outra. O aprofundamento no estudo permitiu a mim confirmar essa intuição.

*texto escrito por Karine Lima Verde Pessoa e publicado no site do Instituto de Gestalt do Ceará
https://www.gestaltce.com.br/post/gestalt-terapiaearte

Gestalt-terapia e Arte: recursos expressivos em contexto terapêutico

Como descreve Monica Alvin (2007) em texto intitulado “O fundo estético da Gestalt-terapia”, três dos principais formuladores da abordagem gestáltica foram profundamente envolvidos com a Arte: Fritz Perls desde a infância esteve envolvido com o teatro; Laura Perls, também desde a infância, estudou piano e depois se envolveu com a dança e a literatura; Paul Goodman foi poeta e escritor. Citando Laura Perls, Alvim (2007, p.14) destaca “Os conceitos básicos da Gestalt são filosóficos e estéticos”.

 

Como bem destaca Marcos Pereira (2011), o termo “estética” é usualmente adotado em referência à beleza, mas sua raiz etimológica vem do grego aisthésis, que se refere a estesia - percepção, sensação, sensibilidade. Trabalhar com recursos expressivos em terapia, passa pela ampliação da capacidade perceptiva (de si mesmo e do mundo), passa por um exercício da sensibilidade.

 

"A relação da Gestalt terapia com criatividade se dá em três instâncias: na sua concepção existencial de ser humano; na sua concepção de saúde e funcionamento saudável; na sua metodologia"

 

Selma Ciornai, ao discutir a arteterapia na perspectiva gestáltica, complementa que a relação da Gestalt terapia com criatividade se dá em três instâncias: na sua concepção existencial de ser humano; na sua concepção de saúde e funcionamento saudável; na sua metodologia. “Tanto na arte quanto na terapia manifesta-se a capacidade humana de perceber, figurar e reconfigurar suas relações consigo, com os outros e com o mundo” (CIORNAI, 2004, p.36).

 

Gestalt e arteterapia

Na abordagem gestáltica, o ser humano é um ser de relação, cuja existência se dá na fronteira de contato. Somos presença, abertura e diálogo. Em um funcionamento saudável, atualizamo-nos constantemente, criativamente. O investimento central em um processo terapêutico é o exercício e a ampliação da awareness, um termo de difícil tradução, mas que compreendo como dar-se conta de nossa existência aqui-agora incluindo intuição, cognição, propriocepção, percepção e afeto.

 

Em um funcionamento saudável, somos capazes de nos ajustar criativamente no campo organismo-ambiente, estabelecendo dominâncias, abrindo-nos a contatos que nos enriquecem, assim como os bloqueando quando precisamos nos proteger, nos resguardar. O bloqueio do contato constitui um mecanismo saudável, desde que seja transitório e contextualizado. Entretanto, quando tais bloqueios se cristalizam, impossibilitando a formação de figuras vívidas, nos enclausurando em uma maneira repetida e descontextualizada de ser, nos vemos desvitalizados, adoecidos e/ou em sofrimento.

 

Metodologicamente, a arte-terapia consiste no uso de recursos artísticos ou expressivos como elemento terapêutico. Você já observou que nossa experiência não cabe em palavras? Tentamos descrevê-la, interpretá-la, mas algo sempre escapa à racionalidade. Para acessar a experiência em sua integralidade é necessário estar aberto a uma experiência estética. A abertura a uma experiência estética, como descreve Pereira (2011, p.119), passa pela “suspensão dos juízos explicativos, abrindo espaço para a fruição e a experiência desinteressada, para a abertura aos efeitos que o objeto ou o acontecimento podem produzir”.

 

É através da arte que o ser humano simboliza mais de perto o seu encontro primeiro, sensível, com o mundo. Situando-se a meio caminho entre a vida vivida e a abstração conceitual, as formas artísticas visam a significar esse nosso contato carnal com a realidade, e a sua apreensão opera-se bem mais através da nossa sensibilidade do que via o intelecto (DUARTE JR, 2001, p. 22-23).

 

Precisamos educar para o sensível

Duarte Junior (2001), psicólogo e arte-educador, defende a necessidade de uma educação do sensível. Mas por que seria necessário educar algo que é tão próprio do humano? É interessante notar que não há no currículo escolar nenhuma preocupação formalizada que envolvesse o ensino da arte como linguagem ou de outras expressões humanas além da expressão verbal. Recursos expressivos diversos nos acompanham na educação infantil, quando a criança ainda não domina a linguagem verbal, entretanto, as palavras e a racionalidade vão progressivamente ocupando todos os espaços. Como afirma Buoro (2002), passamos a crer que o uso da linguagem artística, ou mesmo sua compreensão, está restrita aos eruditos ou àqueles dotados do chamado “talento artístico”.

 

"A arte-terapia busca desenvolver, ou mesmo recuperar, nossa capacidade perceptiva e comunicativa através de múltiplas linguagens. O uso de recursos expressivos em contexto terapêutico pode ser entendido como um exercício de nossa sensibilidade seja referente ao exercício de nossa percepção nossa sensibilidade (estesia), seja ao desenvolvimento de nossa expressão pessoal para além da racionalidade."

 

Um exemplo interessante desse distanciamento da arte como recurso expressivo é dado por Anamélia Bueno Buoro (2002) em seu livro “Olhos que pintam”. A autora cita um passeio a um zoológico com um grupo de crianças onde elas puderam observar diversos animais. Ao final do passeio, as crianças poderiam desenhar o animal que mais haviam gostado. Algumas crianças escolheram o coelho, mas foram incapazes de reproduzi-lo como o viram, desenhando coelhos de pelúcia e personagens de desenhos animados.

 

A arte-terapia busca desenvolver, ou mesmo recuperar, nossa capacidade perceptiva e comunicativa através de múltiplas linguagens. O uso de recursos expressivos em contexto terapêutico pode ser entendido como um exercício de nossa sensibilidade seja referente ao exercício de nossa percepção, nossa sensibilidade (estesia), seja ao desenvolvimento de nossa expressão pessoal para além da racionalidade. Podemos trabalhar com experimentos diversos, utilizando como recursos: sonhos; visualizações; fantasias; dramatizações; exercícios de relaxamento e sensibilização corporal; dança; desenho; pintura; modelagem; podemos, inclusive, utilizar palavras, poesias, contos, mitos, entre outros.

 

É importante destacar que não há interpretação da produção artística em um contexto terapêutico orientado pela abordagem gestáltica. Terapeuta e cliente exploram as potencialidades expressivas da obra, dialogam com ela, mas seu significado é construído pelo cliente, a partir de sua experiência, assim como da situação e relação terapêutica.

Como bem descreve Ciornai (2004), fazendo referência a Yolanda Forghieri, o terapeuta busca o sentido que a experiência tem para a pessoa. Para tanto, o terapeuta se coloca em um movimento pendular de abertura, aproximação, contato e distanciamento, permitindo-o tanto acompanhar o cliente em sua experiência, quanto ajuda-lo a organizá-la. Os modelos teóricos, nesse contexto, estão colocados para permitir a ampliação do olhar sobre a experiência, para percebê-la em uma perspectiva complexa, mas nunca para encaixá-la em uma teoria ou supor esgotá-la.

 

Os experimentos na Gestalt-terapia

Além disso, é fundamental lembrar que os experimentos são sempre propostos, nunca impostos. São também flexíveis, pois devem acompanhar o fluxo criativo do cliente, pois são recursos, não propósito. A obra importa em seu horizonte comunicativo, mas não enquanto produto a ser julgado. Importa, especialmente, a experiência da produção. Desse modo, o sujeito deve ser convidado a ficar atento ao que lhe ocorre durante a experimentação: sentimentos, emoções, sensações, pensamentos, etc.

Do encontro e do arranjo entre sujeito e objeto ou acontecimento resulta algo que ainda não existia, resulta um efeito novo: um sentimento, um gosto, um estado que apenas existia enquanto possibilidade, como porvir. Ao entrar em jogo com o objeto ou o acontecimento, eles deixam de ser exteriores ao sujeito e passam a constituir o campo da experiência. E é aí que começa a criação, a experiência estética (PEREIRA, 2011, p.115).

 

Os experimentos, como dito, podem ser os mais diversos, mas seguem certa estruturação, passando por: sensibilização; experimentação criativa; registro; e compartilhamento. A sensibilização visa despertar a consciência acerca do próprio corpo, perceber seu estado emocional, apagar os ruídos da rua e do dia, abrir-se para a experiência presente. A experimentação criativa se refere ao experimento propriamente dito, fazendo uso de diversas modalidades sensoriais e expressivas. O registro se refere a um momento íntimo, silencioso, em que o cliente é convidado a revisitar sua experiência e registrá-la. Pode-se propor também a transposição para outras linguagens, abrindo possibilidades diversas em experiência e sentido. Por fim, o compartilhamento, se refere à abertura de espaço para o diálogo, buscando explorar o horizonte comunicativo da obra e os sentidos da experiência.

 

A arteterapia constitui, portanto, um universo rico em possibilidades metodológicas para o Gestalt-Terapeuta, potente como experiência estética e criativa para o cliente, assim como um rico campo de contato e dialogicidade que se abre para terapeuta e cliente.

 

Referências

ALVIM, Mônica Botelho. O fundo estético da Gestalt-terapia. Revista da Abordagem Gestáltica - XIII(1): 13-24, jan-jun, 2007.

BUORO, Anamelia Bueno. Olhos que pintam: a leitura da imagem no ensino da arte. São Paulo: Educ/ Fapesp/ Cortez, 2002.

CIORNAI, Selma. Arteterapia gestáltica. In: CIORNAI, Selma (Org.). Percursos em Arteterapia: arteterapia gestáltica, arte em psicoterapia, supervisão em arteterapia. São Paulo: Summus, 2004.

DUARTE JR, João-Francisco. O sentido dos sentidos: a educação (do) sensível. Curitiba-PR: Criar Edições, 2001.

PEREIRA, Marcos Villela. Contribuições para entender a experiência estética. Revista Lusófona de Educação, 18, 2011, pp. 111-123.

 

Karine Lima Verde Pessoa - Psicóloga e Arte-terapeuta. Possui graduação em Psicologia (UFC, 2004). Especialista em Psicologia da Saúde (CFP, 2018); Mestre em Saúde Pública (UECE, 2012). Docente no Curso de Graduação em Psicologia (Faculdade Ari de Sá; Centro Universitário Estácio do Ceará); Docente na Especialização em Saúde Mental (Centro Universitário Estácio do Ceará) e na Especialização em Gestalt-Terapia (IGC - Instituto de Gestalt do Ceará). Experiência profissional na área de Saúde Mental Coletiva (Assistência; Gestão; Supervisão e Assessoria Técnica); Psicologia Social; Psicologia Clínica (Abordagem Gestáltica); Arte-terapia; Educação e Artes Plásticas.

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